quarta-feira, outubro 1


"- você parece até que viu o passarinho azul”, disse ele. "- mais que vi, fui beijada por um", ela respondeu e lhe contou que nessa manhã, bem cedinho, enquanto caminhava em volta da velha Praça, ao passar embaixo de uma frondosa árvore, um passarinho, em hiperbólico vôo, tocou na sua cabeça, deu um grito que ela entendeu como "bem vinda!" e voltou pra um dos galhos da árvore. “- parecia um bentevi, mas acho acho que era um beija-flor, já que me deu um beijo" disse ela - com o olhar vagando em alguma longínqua árvore cheia de flores e frutos e ninhos de beija-flores -, enquanto ele a olhava como que hipnotizado pelo vôo daquele olhar, balbuciou "- você é uma fruta...", ao que ela completou em bom e alto tom: "prá lá de madura! e que docemente não espera mais do que isso: alimentar beija-flores, sabiás, bentivís, e todos as asas da alma...". "- também sou um pássaro", ele falou, abrindo os braços num gesto que imitava o abrir de asas... Ela sorriu, aconchegando-se nas "asas" dele. E, assim, abraçadinhos e impulsionados pelo bater uníssono de seus corações, voaram tão alto que adentraram nos espaços sagrados dos deuses... Depois, exaustos adormeceram na órbita da Estrela do Oriente. Acordaram - sem metáforas, hiperboles ou onamatopéia - com o sol lambendo suas peles, deste outro lado da Terra.

Pequenas fugas do cotidiano - Lia de Oliveira

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