terça-feira, novembro 4


Estou sentindo uma clareza tão grande

que me anula como pessoa atual e comum:

é uma lucidez vazia, como explicar?

Assim como um cálculo matemático perfeito

do qual, no entanto, não se precise.



Estou por assim dizer

vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo:

pois estou infinitamente maior que eu mesma,

e não me alcanço.



Além do que:

que faço dessa lucidez?

Sei também que esta minha lucidez

pode-se tornar o inferno humano

– já me aconteceu antes.



Pois sei que

– em termos de nossa diária

e permanente acomodação

resignada à irrealidade –

essa clareza de realidade

é um risco.



Apagai, pois, minha flama, Deus,

porque ela não me serve para viver os dias.

Ajudai-me a de novo consistir

dos modos possíveis.

Eu consisto,

eu consisto,

amém.



(Clarice Lispector)

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